Uma História,
Muitas Memórias
Parte 3
A Escola
Últimos anos (1997 - 2019)
No entanto, novos tempos estavam apenas chegando no Instituto. “Acreditem no Instituto Mairiporã e venham somar conosco para um futuro cada vez mais promissor da educação em nossa cidade”, disse Thomaz Cruz em setembro de 1997, durante uma entrevista para o veículo mairiporanense A Tribuna. Há quase um ano a escola não era mais um internato.
Por outro lado, a escola ainda seguia normalmente e ainda havia planos para aquela propriedade de 384 mil m² de extensão e mais de 11.000 m² construídos. Dali em diante, a escola se tornaria mais coletiva para Mairiporã e região e passaria a receber novos tipos de frequentadores. O Prédio Azul estava em pleno processo de readaptação, pois abrigaria no ano seguinte a faculdade Instituto Mairiporã de Ensino Superior (IMENSU) e, a partir de 2000, o Museu de Ciência e Arte (MCA).
A escola precisou se remodelar em várias frentes. A nova rotina estudantil agora era mais simples: os alunos chegavam 7h45 e as aulas começavam. O lanche era das 10h15 às 10h45, as aulas voltavam e às 13h, os alunos iam embora. Havia os que ficassem à tarde para praticar esportes ou estudar, até 17h.
Nos anos em que se acostumava a não ser mais um internato, o professor de História Dalmo Vilar (contratado em 1997 para elaborar os museus do Instituto) e Thomaz Cruz preparavam o acervo do futuro Museu de Ciência e Arte.
O século XXI estava chegando e, enquanto parte da escola buscava preservar o passado, outra buscava trazer o futuro. A Lei de Diretrizes e Bases promulgada em âmbito federal em 1996 estimulava uma adaptação do currículo do Instituto, mais rapidamente do que havia acontecido nas décadas anteriores. “Durante muito tempo ficamos marcando passo”, confessou Thomaz Cruz em 1997. “Felizmente a vinda de outros colegas para a cidade ajudou-nos a despertar.” Os estudos voltados ao trabalho já não eram tão mais desejados pelos pais e alunos; uma grande movimentação, presente em escolas de todo o país, voltada a preparar alunos para os vestibulares e consequente ingresso no ensino superior, pressionaria a escola a se nortear cada vez mais nessa direção.
Tanto é que no mês seguinte à entrevista do mantenedor, um simulado de vestibular foi promovido na escola, com mais de 2 mil inscritos. A prova continha questões preparadas pelo Sistema Anglo de Ensino. Durante a prova, o Prédio Azul foi observado por uma Comissão de Inspeção Federal, que “deu demonstrações de estar satisfeita com a estrutura da futura faculdade”, segundo uma propaganda veiculada na Tribuna de 3 de outubro de 1997.
Havia um grande esforço de marketing para angariar alunos. Neste simulado, por exemplo, foram sorteados para os presentes os prêmios de dois microcomputadores, três televisões coloridas de 20 polegadas e bolsas de estudos de 40% para os três melhores colocados de cada escola que participasse com mais de 20 alunos.
Os dois primeiros cursos do IMENSU no ano de inauguração, em 1998, foram Administração de Empresas e Comércio Internacional. Parte das vagas eram também oferecidas gratuitamente a funcionários do Instituto Mairiporã. Aos músicos do Corpo Musical da PMESP (Polícia Militar do Estado de São Paulo), entidade à qual Thomaz Cruz sempre havia sido um doador, também costumavam ser oferecidas algumas vagas.
Um dos motes da faculdade recém-inaugurada era a facilidade no seu ingresso. “Entre na faculdade sem vestibular pelo processo seletivo simplificado, sem exame”, dizia uma propaganda veiculada no jornal A Tribuna em 08 de janeiro de 1999. Esse investimento pesado na faculdade — que possuía uma gestão administrativa e pedagógica separada da escola, mas cuja gestão financeira era feita pelas mesmas pessoas que geriam a escola e que viriam a gerir os futuros museus da propriedade — traria problemas para o Instituto Mairiporã alguns anos depois.
O encontro
A escola, por outro lado, passava por um período de instabilidade administrativa. O casal Mario e Rosely Araújo havia saído durante as férias de julho de 1997. A partir daí, uma série de diretores passariam pela função, vindos de instituições como o colégio Marista Arquidiocesano e o colégio Rio Branco. A situação só seria resolvida por volta de 2005, quando enfim uma funcionária “da casa” seria chamada pro cargo. Mas já chegaremos lá.
A era da informática também estava chegando, e em 1998 os alunos da escola já possuíam acesso a computadores e à internet. “Meu e-mail foi criado no computador da escola”, recorda Ana Paula Gaiato, aluna entre 1993 e 2001. No ano seguinte o Sistema Anglo de Ensino, com seu enfoque fortemente voltado aos vestibulares, foi adotado na escola.
Em julho de 2000, o Museu de Ciências e Artes foi inaugurado no Prédio Azul. “Com mais essa iniciativa, Dr. Thomaz Cruz confirma a condição do Instituto de uma referência da cidade e ao mesmo tempo efetiva aquele estabelecimento de ensino como parte fundamental da história de Mairiporã”, escreveu um repórter não identificado do veículo Cidade de Mairiporã em 22 de julho daquele ano. Parte do acervo seria composto por telas retratando as vidas de São Francisco e Santa Clara de Assis, feitas pelo pintor paulistano Arlindo Castellani de Carli no início de 1962, e por um linotipo, uma espécie de máquina usada para modelar caracteres em linhas usada antigamente para a impressão de jornais.
A evasão de alunos, no entanto, crescia. “Uns 80% dos alunos do Objetivo deviam ter vindo do Instituto Mairiporã”, recorda Ana Paula. “Havia pouca gente nas salas de aula. As pessoas viam os alunos do IM como burgueses”, complementa. “Às vezes um aluno saía”, conta Magali Tamborelli, então coordenadora pedagógica da escola, “por coisa de poucos reais de diferença na mensalidade.” Alunos do Instituto que saíam também costumavam ir para outros colégios particulares da região como o Teresa de Calcutá e o Colégio Moraes. Uma tradição involuntária surgiu desse fluxo constante de alunos: a cada ano, diversos ex-colegas se reencontravam durante as Olimpíadas.
A proporção agora entre alunos pagantes e bolsistas já era diametralmente oposta à dos tempos de internato. “Devia ter no máximo uns 20 filhos de funcionários”, recorda Maria Helena Araújo, aluna do Instituto entre 1997 e 2005 e filha do casal Maria José, funcionária da limpeza, e José Amaro, empreiteiro-chefe da escola. Maria gostava de “curiar” com seu pai a coleção de automóveis antigos de Thomaz Cruz, próximo à cantina da escola, e de passar os intervalos com sua sobrinha Rita de Cássia Araújo (da mesma idade, quase irmã), um amigo e sua mãe. Rita, que estudou por lá entre 1997 e 2003, por outro lado, era uma excelente corredora e colecionava medalhas das Olimpíadas.
Os novos tempos traziam novas características ao Instituto, mas o ano seguinte ao da inauguração do MCA traria duas tragédias à comunidade da escola.
Acontece que em meados dos anos 1990, o aluno Marcos Crispim havia demonstrado um forte talento para natação e corrida. Ao longo dos anos seguintes, Marcos foi amplamente incentivado a aprimorar suas habilidades esportivas, sob a tutela de Sérgio da Silva, professor de Educação Física da escola entre 1989 e 2003, e patrocinado pelo próprio Instituto Mairiporã. Logo ele se tornou um triatleta e passou a participar de competições por todo o país, nessa modalidade esportiva que envolve natação, ciclismo e corrida. Marcos se tornou um orgulho não só pra escola, mas pra toda a cidade de Mairiporã. Era muito comum abrir um dos jornais locais e encontrar um relato sobre alguma prova em que ele havia participado. “Ele chegou até mesmo a disputar uma Copa América do triathlon, visando os Jogos Olímpicos de 2004”, lembra Sérgio.
Certa vez Marcos, quando aluno do Instituto, perguntou para a profª Áudrea Sarraf, de biologia, o que era um coma. Em 2001, o ex-aluno cursava Educação Física na Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG) e tinha uma reunião marcada no clube esportivo Esperia, que o cotava para integrar o seu quadro oficial de atletas. No dia 1 de agosto daquele ano, ele foi até o clube e conseguiu a vaga. Quando saiu de lá, no entanto, Marcos foi atropelado por um carro Gol ao atravessar a rua e ficou mais de 6 meses em coma. “Tudo, tudo, absolutamente tudo mudou depois disso” conta o seu pai, José Carlos Crispim. “As pessoas ligadas a ele ficaram arrasadas. Mas foi aí que nós descobrimos o tanto de amizades que ele tinha. Recebemos muitos e-mails, até do exterior.” Felizmente, Marcos sobreviveu e até hoje está com a sua família, mas convive com as sequelas do acidente.
A profª Áudrea, que havia comentado sobre a triste coincidência com a família, era muito querida pelos alunos da escola e estava designada para ser paraninfa da formatura do colegial daquele ano. No dia 25 de novembro, no entanto, Áudrea faleceu, vítima de um acidente doméstico. Áudrea havia sido aluna do Instituto por muitos anos antes de lecionar e estava a poucos dias de completar 30 anos de idade. Sua mãe, Adelfa Sarraf, discursou no seu lugar na cerimônia.
O boato
A constante troca na direção da escola seguia ocorrendo e isso se somava a outros problemas. “Tudo piorou de 2000 pra frente”, recorda o prof. Sandro Aparecido dos Santos, que lecionou Matemática no Instituto Mairiporã entre 1992 e 2019. “Mandavam professores embora constantemente e não se sabia o porquê.”
Apesar da turbulência em alguns setores, outros continuavam como em qualquer escola normal. Em 2004, foi promovido o “mega-projeto” — de acordo com publicação do jornal Cidade de Mairiporã de 30 de abril daquele ano — “Encontrar-se é preciso”, que buscava aproximar a comunidade de alunos, pais e mães e funcionários e debater temas como “a relação entre pais e filhos, a ética na sociedade, o jovem e o consumismo, respeito e valores, diga não às drogas e escolher e não ser escolhido.” Peças teatrais foram apresentadas, ao lado de uma série de atividades culturais e esportivas como um concurso para a confecção de um símbolo a partir do nome do evento, jogos de futsal, vôlei, ginástica, caminhadas, atletismo e natação.
Naquele mesmo ano, entretanto, a Olimpíada Intercolegial, que vinha acontecendo todos os anos ininterruptamente desde 1976, não teve sua edição — apesar do anúncio que dizia, nessa mesma publicação, que ela envolveria inclusive escolas de outros países.
Se encontrar-se era preciso em 2004, em cerca de 2005 um grande encontro finalmente aconteceu, após uma simples conversa. A mãe de um aluno, incomodada com a constante troca na direção, abordou o mantenedor da escola e perguntou: “Dr. Thomaz, por que o senhor não põe uma pessoa daqui, que conhece e sabe tudo sobre a escola, no cargo?” Thomaz gostou da ideia.
Quando o empresário fez esse convite à Magali Tamborelli, que havia entrado no Instituto em 1976 e desde então sido professora, assistente de coordenação e coordenadora pedagógica, ela levou um susto enorme. “Eu jamais imaginava ser diretora do Instituto”, confessa Magali. “Mas nunca tive medo do novo. Enfrentei o desafio e fui muito feliz, com todos os percalços”, conclui. Magali era uma muito respeitada na escola e foi a escolha certa para o cargo, pois o ocuparia pelos 13 anos seguintes.
O ano de 2006 trouxe a inauguração do Museu de Arqueologia Industrial Thomaz Cruz (MAITC), numa área coberta de 3.000 m² onde já havia o trem do Instituto há mais de 3 décadas. O curador do museu era Eduardo Rodrigues da Cruz, filho de Thomaz Cruz, e seu objetivo “proteger, preservar e interpretar o patrimônio cultural industrial brasileiro, hoje em risco de desaparecimento”, como consta no seu antigo site. Seu acervo continha, além do já antigo avião Lockheed Martin AT33A, “ferramentas, locomóvel e outros que ilustram o avanço tecnológico dos últimos anos” e uma réplica em tamanho original da “Baroneza”, a primeira locomotiva a vapor a circular no Brasil, em 1854.
O museu, único do Brasil voltado ao tema, logo passaria a integrar o calendário da Semana Nacional de Museus e a receber visitantes do Brasil inteiro durante esse e outros eventos. Posteriormente, seu nome seria alterado para “MAITEC” (Museu de Arqueologia Industrial e Tecnologia) e ele receberia em seu acervo itens de informática, áudio, vídeo e comunicação. A cidade de Mairiporã chegou inclusive a ganhar placas apontando para o museu.
A despeito das novas atividades e da estabilidade alcançada sob a liderança da diretora Magali, uma sombra começou a se insinuar em frente a essa luz do Instituto Mairiporã. Era uma espécie de boato que sempre surgia sabe-se lá como, e, apesar de constantemente desmentido, nunca se dissipava completamente: “O Instituto vai fechar.”
Talvez o boato fosse fruto dos constantes atrasos salariais do corpo docente, que haviam começado há alguns anos e marcariam presença em diversos períodos até o fechamento da escola. Talvez se devesse à já avançada idade de Thomaz Cruz, que já ia passando dos 80 anos de idade e suspeitava que seus filhos pudessem fechar o Instituto quando falecesse. Ou então, talvez, se devesse ao número de alunos que diminuía ao longo dos anos. Mas provavelmente foi uma mistura desses e outros fatores.
A verdade é que o laço forjado em 1963 estava enfraquecendo. O Instituto estava em crise.
Reforma e ascensão
Por volta de março ou abril de 2008, Sônia Achnitz foi contratada como consultora pedagógica justamente para viabilizar a escola financeiramente, o que encerraria o tal do boato. “Naquele ano tinha salas com 5 alunos”, conta Sônia. Havia também professores contratados erroneamente e diversos casos de inadimplência entre os pais de alunos. Era preciso reorganizar a parte financeira do Instituto, que não vinha encontrando equilíbrio entre as gestões da escola, dos museus e da faculdade.
“Mesmo com o dr. Thomaz vivo, alguns direitos não eram respeitados”, lembra Adriana Lima, professora do Fundamental I entre 2006 e 2018. Naquela época, em meados de 2008 ou 2009, os funcionários da escola chegaram a ficar três meses e meio sem receber salário. Quando Sônia começou a trabalhar na escola, chegou a presenciar uma reunião onde diversas professoras do Prédio Amarelo (onde o Pré e o Fundamental I tinham aulas) foram vestidas de preto, em protesto aos atrasos. Algumas delas ganhavam um piso salarial abaixo do piso mínimo brasileiro, inclusive.
“Isso aqui é uma paixão”, Thomaz Cruz costumava dizer. “E paixão é fogueira. Alguém tem que alimentar com lenha.” Os anos seguintes serviriam pra provar que ainda havia muita lenha pra colocar naquela fogueira.
Após seis meses de consultoria externa, Sônia resolveu sair do outro emprego, que ainda mantinha, e se dedicar integralmente ao Instituto Mairiporã. Ela, a diretora Magali Tamborelli, Maria José Coelho, que havia sido profª de Redação e Gramática entre 2004 e 2006 e agora era coordenadora do Pré e do Fundamental I, e Célia Lasso, coordenadora do Fundamental II e Ensino Médio, integraram com o corpo docente e outros funcionários um grande movimento determinado a fazer com que a escola se equiparasse aos seus anos de ouro.
Uma das primeiras e principais demandas era regularizar a situação financeira. “A Sônia brigava muito com os proprietários por isso”, conta Maria José Coelho, em relação aos pagamentos dos professores e funcionários. Os salários começaram a ser pagos em dia novamente, mesmo que o mantenedor precisasse tirar diretamente do próprio bolso.
Outra demanda principal era reformular a parte pedagógica da escola, mantendo o que havia de bom e mudando o que não estava dando certo. “Fizemos uma reforma muito grande”, diz Sônia. “Fizemos uma transição, compusemos uma equipe, treinamos professores. Eu fui buscar os melhores profissionais que conhecia, pra fazer renascer o Instituto de sempre. Quem não se via pertencente àquela proposta de trabalho acabava não ficando”, conclui.
Uma das principais mudanças promovidas foi um novo modelo de carga horária para o Ensino Médio: os alunos 1º e 2º anos passaram a ter dois dias de aula extras à tarde, e os do 3º ano, três dias. “A profª Marci, de Geografia e Estudos Sociais, aproveitava as aulas da tarde pra passar filme ou powerpoint, ter aulas mais interativas” lembra Rafaela Oliveira Andrade, que havia sido aluna do Instituto entre 2006 e 2009 e voltado para concluir o Ensino Médio por lá entre 2014 e 2015.
A escola estava entrando em sintonia novamente. “O diálogo com a direção e a coordenação era aberto, livre”, conta a profª Adriana. “A gente podia manifestar opiniões, dar as nossas ideias.” O prof. Paulo relata que “a gestão era muito participativa, acolhedora.”
O espaço do Instituto Mairiporã era utilizado com criatividade para todo tipo de atividades pedagógicas. A profª Camila Giannasi, professora de Ciências, Biologia, Laboratório e Horta entre 2006 e 2018, adorava dar aulas no Espaço Verde e no Orquidário, para mostrar ao vivo o que havia nas apostilas. O prof. Zeca, que a essa altura ensinava também Filosofia além de Teatro, gostava de dar aulas sob as árvores. O prof. Sandro, de vez em quando, levava os alunos para estudarem Matemática sobre os gramados da propriedade. Todo tipo de aulas podiam ser dadas ao ar livre, pois havia mais de 380 mil m² de Instituto Mairiporã para serem aproveitados.
O corpo docente do Instituto mantinha uma ótima reputação em Mairiporã e redondezas e a escola há muito tempo estava consolidada como “sonho de consumo” trabalhista de professores. “Sabe quando você chega numa escola pela primeira vez e fala: eu quero morrer aqui…?”, questiona Zeca Moreira, emocionado, sobre a instituição na qual lecionaria entre 1990 e 2019. “Era como um sonho, um conto de fadas”, recorda Adriana Lima. “No Instituto eu me realizava profissionalmente”, conta a profª Camila.
O prestígio do corpo docente se materializou, por exemplo, nos prêmios “Professor de Destaque” que 2 docentes receberam da Prefeitura de Mairiporã — Sandro Aparecido em 2008 e Camila Giannasi em 2011.
O calendário do Instituto Mairiporã, lapidado por muitos anos, era como um relógio certeiro repleto de tradições. Olimpíadas, Festa Junina, Feira de Ciências, Formatura e Concerto Natalino podiam ser esperados sem falta. Havia outros eventos, como os Jogos da Primavera, em setembro, que foram experimentados mas não chegaram a virar tradição. As Olimpíadas incluíam agora Natação, Atletismo, Basquete, Vôlei, Futebol de Campo, Futsal, Handebol, Judô e Xadrez. A Feira de Ciências há muitos anos era elaborada apenas por alunos do Instituto e em meados de 2006, sob influência da coordenadora Célia Lasso, passou a se nortear pelo Ano Internacional da Unesco para a escolha do seu tema geral, o que, entre outros motivos, levou a Feira a ser premiada diversas vezes pelo Instituto de Cidadania.
A escola chegou até mesmo a alcançar um feito inédito até então: se manter financeiramente só com renda própria. “A única empresa que me deu retorno esse ano foi essa”, contou em tom de brincadeira Thomaz Cruz, ao comparar os balanços das suas diversas empresas em meados de 2013.
Os problemas, no entanto, estavam prestes a surgir novamente.
Um clima de desconfiança começou a se instaurar entre os professores do Instituto, pois diversos deles pararam de receber a carta relativa ao Fundo de Garantia, enviada pela Caixa Econômica Federal. Então a profª Regina, de Português, foi investigar e confirmou a situação. Quando cobraram Eduardo Cruz, filho do mantenedor da escola, e o Seu Airton, administrador da propriedade, eles confirmaram o não pagamento desse direito mas afirmaram que o mesmo seria regularizado.
Em 2014, um recurso do Supremo Tribunal Federal decidiu, em âmbito nacional, que o prazo para a regularização de depósitos do Fundo de Garantia atrasados seria de 5 anos. Os anos iam passando e nada disso ser regularizado. Os professores se acostumaram ao atraso dos salários em julho e dezembro, durante as férias, quando o risco de articulação do corpo docente contra isso era menor. “Havia muita opacidade na comunicação, muita complicação”, conta a profª Camila.
Dois anos após, em 2016, a escola ainda ia bem. O Instituto Mairiporã, que havia alcançado a marca de 400 alunos ao final do ano anterior, agora era a 2ª maior escola particular de Mairiporã, com apenas 28 alunos a menos que o colégio Objetivo. Só que ao longo do ano, a presença de Thomaz Cruz começou a ficar cada vez mais escassa na escola e nas suas empresas. Sua saúde estava se deteriorando, afinal ele já passava dos 94 anos de idade.
Com o mantenedor ficando ausente, Sônia já imaginava o que poderia acontecer. “A minha relação era com o dr. Thomaz. Com o grupo [controlado pelos seus filhos], era mais complicado. Eles queriam saber de lucro rápido”, conta. No final daquele ano, a coordenadora que havia ajudado a colocar o Instituto de volta aos trilhos se afastou do cargo. No final do ano seguinte, foi a vez de Magali Tamborelli pedir as contas.
Durante os últimos anos, os alunos do Instituto Mairiporã ou não sabiam dos problemas enfrentados pelos professores e funcionários, ou até sabiam, mas não conheciam sua profundidade.
Por volta de 2016, a faculdade IMENSU havia fechado, e a rescisão paga aos seus funcionários foi cara. Como os orçamentos da escola e da faculdade se misturavam, começou a faltar dinheiro para o Instituto Mairiporã. Thomaz Cruz, debilitado, chegou a vender um terreno que possuía no centro de Mairiporã para amenizar as dívidas, mas não se sabe o que foi feito com esse dinheiro após a venda.
“Não davam a mínima bola pros professores, não davam satisfação”, lembra o prof. Sandro. “Nós íamos no RH e não sabiam nos informar quando seria o pagamento do salário. Eu fiquei 5 anos sem receber o 13º”, conclui.
Apesar dessas dificuldades, os funcionários da escola continuavam trabalhando, mais por amor ao lugar e ao ofício do que por razões financeiras. Os eventos continuavam acontecendo, os métodos de ensino continuavam sendo aprimorados, alunos continuavam entrando na escola e se formando todos os anos. Um dos frutos do projeto pedagógico elaborado a partir de 2008 foi demonstrado no Enem de 2017, através de alunos que haviam estudado sob aquele sistema desde os primeiros anos: a nota média alcançada por vestibulandos do Instituto Mairiporã naquele ano foi a melhor da cidade.
A fama de maus pagadores, por outro lado, ia manchando a reputação construída ao longo de 5 décadas pelo Instituto Mairiporã. “A imagem ruim do Instituto era essa, o financeiro”, recorda Maria José Coelho. Ainda sim, era frequente a tentativa por parte de diversos funcionários pra que essa imagem não sofresse pelos maus pagamentos, que estavam além da alçada de qualquer funcionário. “Eu passei 14 anos da minha vida mentindo pra todo mundo”, confessa Maria José.
Em 2017, Thomaz Cruz adoeceu. Nos meses seguintes, o empresário enfrentaria uma série de complicações de saúde, até que no dia 4 de maio de 2018, viria a falecer no hospital Albert Einstein, o que nos leva de volta ao início desse relato histórico, mas também ao fim: porque tudo no Instituto Mairiporã começa e termina com esse empresário, que nasceu em Aracaju e brincou de bola de gude com um jagunço de Lampião quando criança.
Ou melhor, termina sem ele.
A reunião
Durante as férias de junho de 2018, os salários dos funcionários novamente estavam atrasados. O prof. Paulo Florencio Ferreira, de Educação Física, por exemplo, que estava na escola desde 2004, foi pedir para encerrar seu vínculo com a escola. “Me dá um voto de confiança”, disse o Seu Airton na época, “fica até outubro e vê se a escola te paga.” Paulo decidiu ficar.
Uma reunião foi convocada pelos novos mantenedores da escola após as férias, pois os professores disseram que não voltariam a dar aula se não fossem pagos até o dia 1º de agosto. Quando os professores chegaram na sala, viram as três filhas mais velhas do empresário em um paredão, junto com um advogado. A justificativa dada para o atraso era que o grupo de empresas herdado do pai, que fora construído ao longo das décadas anteriores por Thomaz Cruz e contava com mais de 30 empresas ativas até então, estava com dificuldades financeiras.
“Eu sempre usei a camisa do IM com muito orgulho pela cidade, mas estou começando a ficar com vergonha”, disse a profª Adriana.
“No fim os professores saíram de cabeça baixa, sem saber se seriam pagos ou não”, conta Maria Carolina Pereira Melo Cruz, quarta filha de Thomaz Cruz e diretora interina da escola ao lado de Célia Lasso, ocupando o cargo que Magali Tamborelli deixara no ano anterior.
Após a reunião, parte da quantia devida foi paga aos professores e eles voltaram a trabalhar. “Essa reunião repercutiu, deu uma ideia de que iriam deixar a escola em ordem”, conta o prof. Paulo.
As aulas voltaram e a mentalidade geral estava dividida: alguns professores do Instituto começaram a ter esperanças de que a escola continuaria, enquanto outros temiam pelo pior.
Não demorou pros salários começarem a atrasar novamente. Algumas professoras protocolaram pedidos de rescisão indireta, ou seja, entraram com um processo trabalhista na justiça mas continuaram trabalhando.
Apesar disso, o segundo semestre de 2018, de maneira geral, foi positivo. Algumas salas estavam sendo modernizadas, para que pudessem atender propriamente ao sistema CoC de ensino, amplamente integrado com tecnologia.
Maria Carolina e Célia organizaram um movimento de Outubro Rosa na escola, incentivando alunos a virem com camisetas rosas visando a conscientização sobre o câncer de mama. Num outro pequeno evento infantil, várias contadoras de estórias foram chamadas na biblioteca para atividades com as crianças do Instituto.
Por outro lado, os professores sentiam que as filhas e filhos do Thomaz Cruz agiam de maneira estranha, distante. Os alunos também sentiam um clima de abandono: Leonardo Esteves, que estava na escola desde 2011 e cursava o 3º ano do ensino médio, quase iniciou acidentalmente um incêndio no auditório, após pôr fogo em rosas de papel. Ele conseguiu apagar rapidamente, mas ficou com receio da punição que receberia. Pra sua surpresa, não recebeu absolutamente nenhuma punição. “Parecia até que queriam que deixasse queimar”, comenta Leonardo.
O ano letivo chegou ao fim.
No dia 9 de janeiro de 2019, os professores estavam de férias, enquanto alguns funcionários do Instituto trabalhavam normalmente. Diversos pais já haviam matriculado seus filhos na escola, e alguns inclusive já tinham adiantado as mensalidades do ano inteiro. Após o almoço, aproveitando que os funcionários estavam reunidos, o Seu Airton anunciou que tinha algo a dizer. Ele se pôs no meio do refeitório e todos se sentaram ao redor. Muitos acharam que ele anunciaria o pagamento dos salários atrasados.
Pelo contrário: ele disse que todos, a partir daquele momento, estavam demitidos.
O clima era de velório. Algumas pessoas começaram a chorar, outras pareciam não acreditar. Outras até passaram mal, se sentindo enganadas pela administração da escola.
Entre as únicas exceções daquela demissão massiva — que aliás, incluía também os professores de férias — estavam Luiz Carlos Ferraz, secretário da escola, e Maurício Burgarelli, inspetor escolar, para que eles pudessem fazer os últimos trâmites do fechamento do Instituto.
“Foi um tiro no coração”, lembra Luiz. A notícia logo reverberou, como um rastilho de pólvora, e pais e mães de alunos começaram a aparecer na escola indignados. “Eu nunca vi tanta gente chorando junta na vida. A gente chorava com os alunos, os pais. A cada dois minutos aparecia alguém e eu precisava explicar tudo de novo. Foi bem cansativo, bem trágico.”
Nos dias em que prestavam esse trabalho extra, para encerrar a escola, apesar de não receberem pelo trabalho, a equipe conseguiu fazer com que os alunos do Instituto fossem transferidos para outros colégios, como o Teresa de Calcutá, para que não perdessem o ano letivo.
Quanto ao Fundo de Garantia, ele de fato nunca foi pago. “Quando eu saí do Instituto, eu tinha 500 reais de Fundo de Garantia depositados de mais de 10 anos”, comenta uma das professoras que compunha o corpo docente à época do fechamento. Os pagamentos dos funcionários precisaram ser cobrados através de processos trabalhistas, e muitos deles ainda não haviam sido finalizados até janeiro de 2022. Uma rápida olhada no site Jusbrasil, dada no momento em que esse texto é finalizado, aponta 357 processos judiciais envolvendo o nome “Instituto Mairiporã”.
Os herdeiros de Thomaz Cruz
A escola durou 250 dias sem Thomaz Cruz. Mas o que sobra dela? Ora essa. Não é óbvio?
Muito se fala sobre os tais dos herdeiros de Thomaz Cruz; mas o que Thomaz deixou? Quem são os herdeiros, e o que foi herdado, afinal?
Ora essa! Não é óbvio?
Vanderlei Alves, aluno entre 1966 e 1970, herdou a educação que o ajudaria a passar no supletivo 20 anos após ter tido que sair do Instituto. Maria Aparecida Lino, funcionária da limpeza e da cozinha entre 2016 e 2019, herdou as lembranças que a fazem chorar até hoje, de um trabalho onde podia estar perto da filha. Magali Tamborelli herdou, nos 42 anos de trabalho de 1976 a 2018, centenas de amizades e todas as lágrimas de emoção que soltou durante as aberturas das Olimpíadas. Dalmo Vilar, professor de História entre 1997 e 2019, herdou todas as histórias sobre o Instituto que tem na ponta da língua. Maria José Alves, funcionária da limpeza entre 1997 e 2010, herdou felicidade pura, pois sempre diz que quando foi feliz, foi ali. Simone Alcalde, aluna entre 1991 e 1999, conheceu o marido no Instituto e herdou a convivência com animais que a levaria a ter um pet shop. Eu, Pedro Vittorio, que estudei lá com meus irmãos entre 2006 e 2009, herdei o meu amor pelas artes e pela escrita, que agora tenho o prazer de usar para narrar as memórias dessa escola.
Todos nós herdamos esse sonho que nasceu durante um carnaval chuvoso de 1963, e que inspirou um empresário sergipano a transformar uma granja em uma escola. Quando o laço do Instituto Mairiporã se rompeu, 56 anos após ser forjado, ele não desapareceu, apenas se dividiu em muitos: nós somos o patrimônio vivo de Thomaz Melo Cruz, nós carregamos a mensagem que ele escreveu em vida. Porque a educação é como uma tocha olímpica que passa de coração em coração, e enquanto essa chama, acesa por aquele empresário devoto de Santa Clara e São Francisco de Assis, arder nos nossos peitos, nós seremos sempre cidadãos do Instituto, trabalhando pelo amanhã.
E teremos sempre como exemplo o Instituto Mairiporã.