Causos do IM

Em 56 anos de escola, todo tipo de história já aconteceu por lá. Essa seção busca contar algumas delas. Mas ó, se faltou alguma aqui que você conheça, sinta-se à vontade pra contar também.

Fauna e Flora do IM

Por Rosely Lenci Araújo, coordenadora pedagógica entre 1988 e 1997

 

“Estou eu lá na minha sala em meados de 1990 e poucos e de repente vem um bando de meninos pequenos, de 9, 10 anos: ‘professora Rosely, professora Rosely!’. Aí tinha um com a mãozinha fechada e alguma coisinha dentro. Falou ‘Olha, a gente tava brincando na quadra e caiu lá de cima!’ Eu falei ‘O que é, um passarinho?’ Quem dera. Era um morceguinho! Eu olhei e falei: ‘Ai, que bonitinho o morceguinho! Ele caiu do ninho, a mamãezinha dele deve estar toda desesperada procurando ele. Vamos ver se a gente acha?’ E eles tinham achado na parte de cima da quadra coberta, onde tinha um portão e não dava pra subir. Eu falei ‘Vamos procurar o moço pra abrir o portão e a gente põe ele lá em cima.’ Só que ele já tinha ido embora. Aí eu arrumei uma caixinha, coloquei um pedacinho de pano e falei: ‘Vamos deixar o morceguinho aqui, e amanhã cedo eu peço pra ele pôr lá e a mamãe dele achar ele.’

 

Naquele dia, o diretor Mário tinha ido embora mais cedo, a gente morava em São Paulo. Eu fiz uns buraquinhos na caixinha, pus um elástico. Coincidentemente naquele dia estava sem carona e tinha que ir embora de ônibus.

 

Cheguei em casa, tinha que alimentar o morcego. Morcego é mamífero, toma leite. Peguei leite, peguei um conta-gotas, fechei minha mão, pus ele e ia colocando o leite no canto da minha pele. O leite ia escorrendo e ele ia mamando.

 

Voltei com meus filhos pra lá (na época eu só tinha 2). Achei o funcionário e falei: ‘O senhor faz um favor. Deixa ele na própria caixinha, que ele vai fazer barulho. Põe lá em cima, pra mamãe poder ver ele. Se ele não pegar, por estar com um cheiro diferente, o senhor traz de volta que eu trouxe um conta gotas e alimento ele aqui.’ Aí ele pôs.

 

Quando ele voltou pra ver, o morceguinho não estava mais lá: a mamãe morcego tinha pego!”

Por Maria Aparecida, diretora entre o final dos anos 1960 e 1995

 

“Antigamente, além das ovelhas, pavões e gansos, tinha alguns bodes que percorriam livremente o Instituto. Um desses bodes não era muito amistoso e tinha um cheiro muito forte. Acabaram chamando ele de Cheiroso.

 

Houve um relato, como ele não era muito amistoso, de que certa vez ele acabou invadindo uma sala durante uma aula e foi uma confusão muito grande. Os alunos tiveram que sair correndo da sala, porque ele estava golpeando as carteiras. Ele ficou na sala um tempão e acabou até subindo numa carteira!”

Por Rosely Lenci Araújo, coordenadora pedagógica entre 1988 e 1997

 

“O Seu Caetano era um cara que cuidava de um monte de coisa no Instituto. Era só falar com ele e dizer o que precisava. Eu precisava de alguma coisa, não lembro o quê, e estava lá na sala que o dr. Thomaz construiu pra mim. O Seu Caetano chegou na porta e eu saí da minha mesa, dei alguns passos pra conversar com ele. E na minha sala, tinha duas cadeiras, uma de cada lado da mesa, feitas de vime entrelaçado. Bonitas, quase uma poltrona.

 

De repente ele olhou pra mim e falou: ‘Dona Rosely, a senhora vem aqui fora um pouquinho?’ Ele estava do lado de fora, eu estava um passo e meio ou dois pra dentro. Ele deu mais dois passos pra trás e falou de novo: ‘Rosely, por favor. Vem aqui fora, eu quero mostrar um negócio aqui.’ Bem, eu achei meio estranho, mas fui.

 

Quando olhei… Meu amigo… Eu estava a meio metro de uma cobra. Ela deve ter entrado em algum momento em que a sala estava aberta, e veio por uma das aberturas da cadeira de vime. Ela estava saindo, quietinha, vindo na minha direção.

 

A hora que a Magali soube, ela gritava, chorava, ficou lá na outra ponta da Pré-Escola e não queria voltar de jeito nenhum. Ela tem horror de cobra! Como cobra não anda sozinha, passaram uma semana checando os matinhos depois. Foi engraçado, mas trágico também.”

Por Vanessa Alves, aluna entre 1990 e 1993

 

“Quando estava uma noite quente, a gente ia pros campos de futebol, porque tinha vagalumes por lá. Só que a gente ficava naquela: ‘e se o Louco de Franco da Rocha passasse aqui?’ Porque como o Instituto era uma rua fechada, qualquer um que passasse na rua era muito suspeito. Então a gente pegava vagalume e ia correndo lá pra cima. E outra, tocou o sino de fora, você tinha que estar no quarto, não tinha que ficar contando aluno, não.”

Históricos

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009, a partir de uma reportagem do Correio da Manhã (RJ) de 19 de setembro de 1970 e dos depoimentos de Vanderlei Alves, aluno entre 1966 e 1970, e João Evangelista Soares, funcionário de Thomaz Cruz entre 1967 e 2012

 

“A quadra coberta do Instituto estava cheia na manhã daquele 6 de setembro de 1970. A banda da escola havia tocado o Hino Nacional durante o hasteamento da bandeira do Brasil. Estavam presentes, ouvindo o discurso de abertura do paraninfo Thomaz Cruz, não apenas os 340 alunos expositores, mas ainda os visitantes — alunos não expositores, pais e mães, professores, repórteres e outros —, o prefeito de Mairiporã, Luiz Salomão Chamma, e o vereador Reginaldo Rogero, que presidiria a Câmara Municipal de Mairiporã em 1971.

 

‘Educação é investimento e a melhor aplicação que pode fazer a empresa para valorizar o homem que vive no regime da livre iniciativa’, declarou o paraninfo na ocasião. Estava inaugurada a I Feira de Ciências do Instituto Mairiporã, a ‘menina dos olhos’ de Thomaz Cruz.

 

Diversas bancadas estavam espalhadas pela quadra coberta, onde os grupos apresentavam seus trabalhos. Numa delas, peixes, borboletas e aranhas eram mantidos em condições diferentes de luz, temperatura e gás para testar suas capacidades de adaptação e denunciar a poluição das grandes cidades. Em outra, eram expostas placas que mostravam os choques de raios cósmicos com os átomos do ar, elaboradas pelo cientista brasileiro César Lattes, enquanto um aluno explicava a teoria da ‘bola de fogo’ do mesmo. Outro trabalho consistia em apresentar um ovo sendo colocado dentro de um litro de leite, para demonstrar como a pressão física funcionava. Havia ainda bancadas com ‘testes psicológicos e genéticos, pesquisas com bactérias úteis’ e ‘noções de higiene e saúde pública’, como detalha um repórter não identificado do Correio da Manhã (RJ) presente no evento.

 

Os alunos vinham de 12 escolas de Mairiporã, São Paulo, Campinas, Grande ABC, Osasco e Sorocaba, todas no estado de São Paulo, e se hospedavam em barracas ao redor do campo e nas ruas próximas à quadra coberta. ‘A gente enviava convites para escolas de todo o Brasil’, recorda João Evangelista, então secretário de Thomaz Cruz, acrescentando que, em edições posteriores, o evento chegaria a receber escolas até de Porto Alegre (RS) e São Luís (MA).

 

Após o sucesso da 1ª edição, a Feira de Ciências continuaria a ser promovida todos os anos sem exceção até 2018, totalizando 49 edições. Além das diversas escolas participantes, a Feira traria uma série de figuras influentes da sociedade brasileira como paraninfos nos anos seguintes. Estão incluídos na lista o general Humberto de Sousa Melo, comandante da II Divisão do Exército Brasileiro (1971); a profª Esther de Figueiredo Ferraz, Secretária da Educação do estado de São Paulo (1972); o dr. Mário Machado de Lemos, Ministro da Saúde do Brasil (1973); Laudo Natel, governador do estado de São Paulo (1974); Itamar Jorge Bopp Jr, representando o dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, Secretário da Educação do estado de São Paulo (1975); Hasso Weiszflog, diretor superintendente da empresa Cia. Melhoramentos (1976); e Moacyr Sipaúba da Rocha, então presidente do Tribunal de Justiça do estado do Maranhão (1977).”

Por João Evangelista Soares, funcionário de Thomaz Cruz entre 1967 e 2012

 

“Tem no Instituto um avião que veio de Fortaleza. Me lembro que eu e o dr. Thomaz mandamos uma carta pro ministro da Aeronáutica, foi uma negociação, acabamos ganhando por concessão o avião.

 

Quando foi pra colocar o avião em cima da carreta, lá em Fortaleza, pra trazer pra cá, o avião tinha um amassado, um afundado na carlinga dele. Aí o funcionário que foi buscar falou: ‘Vocês com tanto avião aqui, eu vou trazer um amassado? Me dá um outro.’ O cara falou pra ele escolher um. Aí ele escolheu um bonito pra trazer e tal.

 

Quando chegou aqui e o dr. Thomaz foi conversar com o ministro, ele falou ‘Mas Thomaz! Eu separei aquele avião pra você porque foi o avião que teve o acidente da morte do Castello Branco!’ Que é uma coisa histórica né, e a gente não sabia. Mas aí já tinha vindo esse outro avião.”

Estudantis

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009, a partir de uma reportagem do Jornal do Brasil (RJ) de 11 de abril de 1974 e do depoimento de João Evangelista Soares, funcionário de Thomaz Cruz entre 1967 e 2012

 

“Um aluno em especial chamou a atenção da imprensa em 1974. Era um indígena filho de uma mulher do povo Trumai com um homem do povo Kayabi, cuja adoção pelo indigenista Cláudio Villas-Bôas fora oficializada naquele ano. Seu nome era Tauarru, seu apelido era ‘Boizinho’ e ele estava matriculado na 6ª série do Instituto Mairiporã.

 

‘Ele gostava de sentar e ficar namorando a lua’, recorda João Evangelista Soares, ‘e quando ele começava, era difícil parar’. Tauarru declarou, em uma reportagem do Jornal do Brasil (RJ) que seria publicada em 11 de abril de 1974, que o Instituto era ‘mais gostoso do que nas escolas de São Paulo porque a gente tem muitos lugares para brincar e os meninos são ainda mais interessantes. Vou à cidade apenas nos fins de semana e porque sinto saudades do papai e do pessoal todo’, complementou.”

Por Lucio de Paula Augusto, aluno entre 1975 e 1976

 

“Tinha um lugar muito bacana, que às vezes a gente ia em pleno dia de semana, antes de ir pra sala de aula, ou à noite, aos sábados. Era aquele gramado que tinha em frente à secretaria. Nossa, eu e meus amigos sentávamos ali, fazíamos rodas de conversa, com muitas histórias, nossas perspectivas de vida pro futuro…

 

Uns imaginando ‘Ah, ano que vem eu estou fora daqui’, o outro ‘Ah, eu vou ficar’, ou ‘Ano que vem eu já tenho condição de ser monitor de quarto’. A gente sentava naquele gramado ali e era uma fábrica de sonhos. Sentávamos tanto os meninos quanto as meninas. Era muito bacana.”

Por Maria Helena, estudante entre 1997 e 2005

 

“Eu passava a maior parte do meu tempo na biblioteca. Chegou uma hora que eu já tinha lido quase todos os livros do acervo de lá, naquele armarião grande. Todos os da minha faixa etária, lógico. Quando já não tinha mais o que ler, a dona Sueli disse: ‘Vou te trazer os que eu tenho em casa.’ Aí ela trazia pra mim.

 

Eu lia e devolvia, catava um livro e em questão de 2, 3 dias já tinha terminado. A Sueli falava ‘Ah, não acredito.’ E eu respondia: ‘É, se eu não tenho o que fazer, tô lendo.’ Eu gostava bastante. Lia todos os possíveis: suspense, poesia, estórias infantis…”

Por Edinaide Batista, aluna entre 1979 e 1983

 

“Era raro, mas acontecia de algumas internas engravidarem. Eu lembro de uma, que era de Santa Catarina e acabou engravidando de um rapaz. Naquela época, até as mulheres tinham uma ideia machista. Eu fiquei horrorizada, porque ela engravidou e foi proibida de ficar com a gente. Ela não descia pra tomar café, não descia pra almoçar, só descia do Prédio Rosa pra ir pra escola, das 13h às 17h. Depois ela retornava e ficava dentro do Prédio Rosa, não saía pra nada.

 

O rapaz que a engravidou sentava no refeitório, tomava o café dele, almoçava, jantava, ia pra escola como se nada tivesse acontecido. Eu, que era meio bocudinha, lembro que fui discutir a respeito e a Dona Ana disse que “Nós, mulheres, tínhamos que nos guardar. Nós que tínhamos que dizer ‘não’ pro homem.” Eu fiquei com mó dó da menina, eu gostava dela. A gente não se envolvia com ela, até dar o período dos pais dela buscarem.

 

Um outro caso de gravidez aconteceu durante a Feira de Ciências, porque na época, vinham escolas de muito longe. Nós cedíamos nossas salas como dormitórios. E a regra era bem clara: nós, do Instituto, não podíamos de forma alguma usar roupas do dia a dia. Nós tínhamos que usar nosso uniforme, pra destacar de outras escolas. E essa menina que eu comentei engravidou de um dos rapazes que veio de outra escola pra fazer a Feira de Ciências. O que mais tem no Instituto é mato, então…

 

Depois da gravidez, aconteceu a mesma coisa com essa outra menina. Só saía das 13h às 17h pra ir pra aula.”

Por Lucio de Paula Augusto, aluno entre 1975 e 1976

 

“Uma vez pegaram uma galera lá fumando… Uns caras mais velhos que a gente tinha como referência, como exemplo. Eram uns 10. Eu nunca vi aquilo. Sentaram todos os fumantes lá no Prédio Rosa, em frente às mesas, trouxeram um pacote de cigarro pra cada um e falaram ‘Vocês não querem fumar? Então fuma.’ E chamaram a gente pra ficar do lado de fora.

 

‘Ó o que vai acontecer com vocês se vocês quiserem fumar também’, falaram. Os caras passaram a noite e a madrugada toda fumando, tiveram que fumar até o último cigarro do maço.”

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009, a partir de uma reportagem do Correio da Manhã (RJ) de 19 de setembro de 1970 e dos depoimentos de Fátima Brito, aluna entre 1976 e 1983, Lucio de Paula Augusto, aluno entre 1975 e 1976, Edinaide Batista, aluna entre 1979 e 1983, e Antonio Carlos, aluno entre 1974 e 1983

 

“Um quadro exposto na secretaria anunciava ‘O sino comanda o horário’. Como as aulas já não eram mais em horário integral, e sim apenas à tarde, a rotina agora era diferente. Às 6h ou 6h30, os alunos despertavam ao soar de um sino de fábrica, arrumavam a cama e se arrumavam. Às 7h, se alinhavam no refeitório em filas para o café da manhã, com meninas de um lado e meninos de outro; cada fila era organizada por idade, das crianças mais velhas às mais novas. A comida incluía pão com manteiga e café com leite.

 

Após o café, cada aluno executava uma tarefa designada para si, de acordo com uma escala de trabalho. Entre as tarefas, estavam lavar louça (uns iam pros copos, outros pros pratos e outros, pros talheres), lavar roupas, tirar pó, limpar escadas e corrimões e limpar o chão. Cada equipe exercia um trabalho sob orientação de um monitor ou monitora. Quando alguém já estava familiarizado com uma tarefa, era designado para outra.

 

Em torno das 8h, feitas as tarefas, os alunos descansavam. Alguns iam brincar, estudar, praticar esportes ou ficar olhando o céu, e havia até mesmo quem costumasse namorar nesse horário — mas com muita cautela, pois era proibido.

 

Às 9h, uma merenda era servida, e depois disso alguns iam para a sala de estudos ou pra biblioteca, e outros praticavam atividades extraclasses. Havia oficinas de marcenaria, mecânica e eletrônica, aulas de teatro, música, agricultura e boxe, além de atividades num laboratório fotográfico e numa sala de artes industriais.

 

O sinal batia novamente às 11h, e às 11h30, era hora do almoço. O cardápio incluía arroz, feijão, frango, almôndegas, peru, carne de vaca, carne de cabrito, berinjela frita, verduras produzidas na horta comunitária da escola e suco. As aulas começavam às 13h, quando os alunos externos chegavam. Um intervalo para o lanche era feito às 15h e depois disso as aulas seguiam até 17h.

 

Dado esse horário, os alunos externos iam embora e os internos e semi-internos voltavam para os quartos. A janta era às 18h30 — com a apresentação do Jornal Alvorada e a oração. Se os alunos famintos apressassem a oração, aliás, podia ser que os professores presentes exigissem a sua repetição, num ritmo adequado. Depois da janta, esportes, recreação ou estudos pra quem quisesse. Das 20h às 21h, quem tinha boas notas podia assistir televisão. A exceção era quando passavam os jogos de futebol, que podiam ser vistos por todos. Em torno das 21h-22h, era hora de dormir.

 

Aos sábados, além das atividades livres pela propriedade já presentes nos primeiros anos, agora havia sessões de cinema também. Aos domingos, o padre Orlando rezava missa e oferecia comunhão aos que quisessem, e o café da manhã podia ter chocolate, laranja e leite com nescau.”

Por Paulo Florêncio Parreira, professor de Educação Física entre 2004 e 2019

 

“Lembro de uma vez, quando eu era recém contratado, que tinha o filho de um professor de outra escola que estudava lá. Ele estava no último ano do ensino médio e era o último dia de aula.

 

Como ele já dirigia, ele pegou o micro-ônibus do Instituto com uns amigos e saiu dirigindo pela escola. Os funcionários, gritando pra parar, saíram correndo atrás. Eventualmente ele parou o ônibus e tomou uma bronca, chamamos pai e mãe na escola…

 

…Mas a cena dele saindo com o micro-ônibus com os funcionários correndo atrás era hilária.”

Por Edinaide Batista, aluna entre 1979 e 1983

 

“Quando você entra no Prédio Rosa, a caminho da escada pra ir nos dormitórios, tem uma parte de baixo. Entrando no corredor era os dormitórios dos pequenininhos, do jardim de infância, 4, 5 anos. Também tinha uma sala de professores, do lado direito, e uma sala de visitas.

 

Eu lembro que ali também ficava onde colocava as coisas do padre. Aí fizeram a loucura de me colocar pra limpar essa área. Tinha hóstia do padre, eu comia. Tinha os vinhos, eu bebia e dava pros meninos mais velhos pra beber. Eu passava, falava ‘Olha, tem vinho do padre.’ Aí eu passava pra eles pela janela e eles embebedavam.”

Por Simone Alcalde, aluna entre 1991 e 1999

 

“Eu adorava as aulas de Marcenaria. Eram com o Toninho, embaixo da biblioteca. A gente fazia tábua de carne, porta-retrato, mexia com pirógrafo, sabe? Uma coisa que hoje em dia a gente não vê mais as escolas fazendo. As pessoas falam ‘ah, mas a criança tem 8 anos, não pode’. É um medo, assim…

 

A gente pregava, tirava prego, lixava, martelava. Era mó legal. Depois acabou, em 1992 já não tinha mais.”

Esportivos

Por Sérgio da Silva, professor de Educação Física entre 1989 e 2003

 

“Tem uma passagem muito curiosa. Certa vez, durante as Olimpíadas, o Marcos Crispim estava competindo em Natação 50 metros borboleta. Quando ele mergulhou, a sunga dele caiu. Uma outra pessoa qualquer pararia pra pegar a sunga, né? Não, ele foi nadando sem sunga. E ele foi medalha de ouro. São situações pitorescas, né.

 

Depois ele foi lá e pegou a sunga no fundo da piscina, e quando ele voltou, a turma falava ‘Ô, o cara lá da bunda branca!’ E ele era muito extrovertido, o Marquinhos sempre foi de tirar sarro. Aí ele fazia assim com a mão: ‘Espera um pouco, vocês vão ver.’ Ele ganhou o costas depois, e ganhamos o revezamento. Aí ele que tirou sarro, abaixava a sunga pra mostrar a bunda.”

Por Rita de Cássia Silva Araújo, aluna entre 1997 e 2003

 

“Eu vou contar o segredo da minha corrida. O pessoal das outras escolas era assim: quando o revólver disparava pro alto, as meninas saíam num pique só, se acabavam desesperadas, tipo ‘vou ganhar’.

 

Quando chegava na curva, as meninas já estavam morrendo, né. Eu passava do lado das meninas tipo: ‘Fui’. Aí já era, se a Rita disparava, não tinha quem pegasse a Rita pra mais nada. E as meninas lá, exaustas, não aguentavam mais, enquanto a Rita estava plena, disputando. Eu acelerava e chinelava, corria com força, com velocidade.”

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009

 

“Durante a cerimônia da abertura das Olimpíadas, era acesa uma pira olímpica que ficava no topo de uma escada, lá na Praça das Bandeiras. Depois da cerimônia, a pira ficava lá, quietinha, sem incomodar ninguém.

 

Certa vez, numa das minhas primeiras Olimpíadas, eu fiquei curiosíssimo pra ver se o fogo ainda estava aceso na pira. Subi a escadinha, me aproximei, olhei dentro e……. Pof. Caí no gramado em frente à escadinha, de uma altura de uns 2,5 ou 3 metros. Os gases que saíam da pira tinham me deixado tonto. A ambulância chegou, e eu acabei até me divertindo naquele rolê de ambulância.”

Por Magali Tamborelli, professora, assistente de coordenação, coordenadora pedagógica e diretora pedagógica entre 1976 e 2018

 

“A abertura da Olimpíada foi sempre igual.

 

Tinha o pelotão da frente, de estandarte, com três meninas. Depois a gente procurava um aluno bem alto pra carregar a bandeira nacional. Depois um pelotão de bandeiras de todos os estados. Depois tínhamos umas 15, 20 bandeiras do Brasil, e então os pelotões das escolas. Vinham todos os alunos do Instituto Mairiporã, e depois as escolas participantes, se identificando com os nomes das bandeiras. O mesmo ritual, sempre.

 

O desfile saía do Prédio Verde, abria-se o portão pra Polícia Rodoviária entrar e chegar sem ninguém ver e dar aquela ênfase quando soltava os fogos e chegavam os três alunos com a tocha. Eles faziam revezamento, porque a tocha é pesada. Geralmente eram escolhidos alunos e alunas que mais se destacavam nos esportes. Era uma escolha muito difícil, tinha mais do que três que se destacavam, mas sempre seguíamos essa regra. Chamávamos um dos melhores alunos pra fazer o juramento da Olimpíada, e assim em diante.

 

Eu chorava em todas as aberturas de Olimpíada. Só não chorei na última porque me preparei muito, pois já sabia que seria a minha última.”

Religiosos

Por Simone Alcalde, aluna entre 1991 e 1999

 

“Durante a catequese, de segunda e quarta, a gente ia pro Prédio Verde, que ficava vazio durante a tarde. O prof. José levava a gente pra uma sala e às vezes levava um folheto da igreja, comentava alguma coisa que estava no folheto, ou então ele falava algum tema pro pessoal conversar… A gente aprendia as músicas, escrevia as orações. Por exemplo, a gente escrevia o Pai Nosso na lousa e ficava lá. Tinha que decorar o Pai Nosso em sei lá, três aulas. Se não decorasse, ia levar um bilhete pra casa, uma bronca, alguma coisa. A gente conversava sobre fazer o bem, ter compaixão, solidariedade, amar o próximo… E aprendia bastante música. O prof. José tocava violão e ensinava músicas religiosas. Cada um sentava na sua carteira cantando. A gente copiava a letra no caderno.

 

Tinha primeira comunhão no final do ano. Pra nós, católicos, existe um negócio que simboliza o pão de Cristo, que é a hóstia. Você precisa se preparar pra tomar a primeira hóstia. O padre colocava a hóstia no vinho e dava pra gente. Foi um monte de parente meu pra me assistir tomar a hóstia pela primeira vez. Eles chamavam um padre, ele celebrava uma missa. Só os convidados iam.

 

A gente recebia um comunicado no começo do ano pra se inscrever na primeira comunhão, que custava um tanto por mês. Aí o pai inscrevia o filho. Tinha gente de 8 até 15 anos, mas era mais criança de 9, 10 anos.

 

Foi até engraçado, porque muitos anos depois, quando eu fui casar com meu marido, a gente fez uma cerimônia bem pequena, mas queria deixar rolando no telão umas fotos nossas, enquanto tinha jantar, a festa e tal. Quando a gente estava selecionando as fotos, o meu marido achou uma foto dele tomando a hóstia e eu olhando pra ele. Eu tinha 10 anos e ele tinha 9. É uma foto bem bonitinha, eu olhando com mó carinha fofa pra ele, e ele tomando a hóstia.”

Por Cynthia Kayo, aluna entre 1983 e 1991

 

Na hora da janta, a gente fazia fila lá fora no refeitório e ia entrando. Cada um tinha a mesa certa pra sentar, com uma aluna mais velha de olho. Aí antes de comer, todo mundo levantava, ficava em silêncio e fazia a oração:

 

‘Uns têm e não podem.

Outros podem e não têm.

Nós, que temos e podemos,

Bendizemos ao Senhor.’

 

Aí depois a gente sentava e comia. Certa vez um professor, que tocava violão, fez até um pagode com essa oração.”

Musicais

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009, com base no livro “O vôo do poeta Dalmo Florence” e em matérias do Jornal de Mairiporã de 9 de setembro de 1972 e 12 de maio de 1973 

 

“A década de 70 vinha sendo definitiva para fortalecer o laço do Instituto. Em 1973, a escola ganhava o seu hino. Um dos poetas que discursou na cerimônia do título de cidadão mairiporanense de Thomaz Cruz, o Dalmo Florence, era uma figura muito apreciada pelos jornais da época. Florence era um mineiro, nascido em Ouro Fino (MG) que havia estudado Direito na USP e virado delegado, e era conhecido por seu jeito boêmio e por viver intensamente. Durante aqueles anos, dificilmente se abria uma edição do Jornal de Mairiporã, por exemplo, sem encontrar um poema seu. Em 12 maio de 1973, o poeta de 46 anos publicou um poema intitulado “Hino ao Instituto Tomaz Cruz”, que, após sofrer algumas alterações, ganharia melodia através do compositor Pedro Salgado e viraria enfim o hino do IM. O poema original, escrito em 9 de maio, é assim:

 

‘Seja o saber esperança,

no coração resoluto,

havendo em cada criança,

um cidadão no Instituto!

 

Um cidadão, mas, leal,

e que à Pátria empreste luz,

na fraternidade igual,

no Instituto Tomaz Cruz!

 

Cada ser indiferente,

na alegria do porvir,

tendo sempre à sua frente,

ao Brasil amar, servir!

 

Iremos pela existência,

levando a nossa bandeira,

mais alta pela Ciência,

na Serra da Mantiqueira!

 

Cada ser independente,

na alegria do porvir,

tendo sempre à sua frente,

ao Brasil amar, servir!’”

Por Pedro Vittorio, aluno entre 2006 e 2009

 

“Lá pra 2008, tinha um prof. de Geografia que a gente chamava de Paulão. Um dos negócios mais divertidos era quando a sala cantava uma canção que ele fez com a melodia de ‘Quem dorme é o leão’, do Rei Leão. Era assim:

 

‘Hoje é dia

De Geografia

No Instituto

Vou estudar!

 

Os planaltos

E as planícies

E até o céu

Quero encontrar!

 

Geeeeo, Geografia!

Geeeeo, Geografia!

 

Quero estudar,

lá rá rá rá rá, lá rá rá rá.

Quero estudar!’”

Sinistros

Por Fátima Brito, estudante entre 1976 e 1983

 

“Tinha, do lado do campo, o que a gente chamava de ‘Casa do Judeu’, que eu já não sei como está hoje porque já tem uns 10 anos que não vou ao Instituto. De final de semana, a gente subia numa árvore e pulava lá no terreno da Casa do Judeu. Era uma casa abandonada, a gente falava que era assombrada. Não sei se era propriedade do Instituto.”

Por Vanessa Alves, aluna entre 1990 e 1993

 

“Pra quem era interno, o espaço era livre pra tudo, mas a gente tinha muito medo de frequentar alguns espaços do Instituto. Porque atrás da quadra coberta, tinha uma cruz. E eles falavam que morava a Loira Aguada lá. A gente morria de medo de ir pra lá depois das 18h, que começava a escurecer. Todo mundo falava que já tinha visto a Loira Aguada. Diziam que ela ficava ficava lá, perto de uma minazinha de água que tem água com ferrugem, porque o cano é enferrujado mesmo. É geladíssima, uma delícia, mas tem gosto de ferrugem. Nessa mina d’água tinha um poste de madeira, usado pra iluminação. Só que eles colocaram uma madeira cruzada lá. E lá, falavam que ficava a Loira Aguada, que pegava criança.

 

Na nossa época, tinha também o Louco de Franco da Rocha. Tinha um hospício em Franco da Rocha, e aí corria uma lenda urbana desse Louco de Franco da Rocha, que era um cara que pegava criança também, que rondava a cidade. Falavam que a gente não podia sair dos espaços onde os professores viam porque se não, o Louco de Franco da Rocha e a Loira Aguada pegavam a gente.

 

A gente morria de medo. Nem imaginava quem era, se era verdade ou se era mentira. Quando meu pai falou que em Franco da Rocha tem um hospício, aí que eu achei que era verdade mesmo. A gente acreditava nisso.

 

A Loira Aguada, no período que a gente ficava no quarto depois do jantar, a gente ficava nesse desafio: ‘e aí, tem coragem de dar três descargas no banheiro pra Loira Aguada aparecer?’ Mas ninguém nunca teve coragem de fazer. Nunca, nunca. Uma amiga minha fazia xixi na cama, mas não ia no banheiro de jeito nenhum. Maldade, né?”

Para lembrar com carinho

Por Mário Luiz Ferraz Araújo, diretor pedagógico entre 1981 e 1997

 

“O campus do IM era ao mesmo tempo, desafiante e maravilhoso: incrustado na Serra da Cantareira, era uma mescla harmônica de Natureza e Arquitetura gigantescas, ímpares neste Brasil. Idealizado e construído pelo Dr Thomaz Mello Cruz, simulava uma pequena cidade, com avenidas asfaltadas em seu interior e prédios independentes, integrados pela gestão administrativa e pedagógica. Seus limites eram longínquos, dificultando a observância e controle de fluxo dos alunos que poderiam evadir sem serem observados; além disso, muitos espaços abertos e vazios possuíam perigos à integridade física dos alunos: barrancas e mata com animais peçonhentos eram  desses perigos que tínhamos de administrar. Entretanto, a educação ambiental e disciplinar proposta desde o primeiro acesso à escola à comunidade escolar – inclusos pais, alunos, professores e funcionários – permitiam um convívio seguro e harmônico dos alunos no campus.

 

Raríssimos eram as transgressões disciplinares (cabulação de aulas, por exemplo) ou acidentes nos espaços abertos (picada de abelha, aranha, queda em barranco). Os horários de entrada, de saída, de intervalos de aula e de recreio eram fortemente observados pela equipe escolar, prevenindo incidentes. O convívio aluno-campus do IM era uma das mais belas rotinas diárias que presenciei em 50 anos de magistério!

 

Muitas categorias fizeram do IM uma escola “sui generis” – inicialmente, o projeto arquitetônico colonial impunha-se em meio à Mata Atlântica: uma escola no meio rural com modelo pedagógico urbano de vanguarda; depois, o oferecimento de alimentação facultativa aos alunos: dispunham da tradicional lanchonete, mas tinham, como opção, no caso dos que integravam o regime de Período Integral (das 7:00h às 17:30h), concomitantemente, a utilização do Refeitório que funcionava em sistema self-service; a Feira de Ciências – no período de minha gestão – tornou-se um modelo pedagógico de competição científica original no Brasil. Participavam grupos de alunos definidos em Regulamento próprio de várias escolas, disputando troféus e medalhas por ordem de classificação. Os critérios de avaliação partiam desde o Projeto Escrito, a Organização do Stand do Projeto e o desempenho do grupo na apresentação pública. A Comissão Julgadora era composta de técnicos da área específica dos trabalhos (médicos, engenheiros, biólogos, arquitetos), sendo desconhecidos da comunidade escolar. Transformei-a em 3 dias de eventos: primeiro, apresentação interna aos alunos do IM; segundo, apresentação aos pais e visitantes; terceiro, apresentação à comunidade geral, incluindo a Comissão Julgadora…

 

Já as Olímpíadas chegaram a reunir mais de 5.000 pessoas por dia durante as competições e delas participavam mais de 30 escolas paulistas por evento, competindo nas áreas de atletismo (diversas modalidades), futebol, judô, basquetebol, voleibol, natação e  handebol.  Outro – e, quem sabe, nosso maior diferencial pedagógico – era o Regime de Período Integral: nele, o aluno assistia às aulas de manhã, almoçava, fazia a higiene pessoal, voltava às salas de aulas – agora heterogêneas em séries – para executar as atividades de tarefas e trabalhos extraclasse; fazia um lanche e, das 16:00 às 17:30h participava, por opção própria, das chamadas 9 atividades complementares: dança, marcenaria, judô, natação, basquetebol, futebol, handebol, atletismo e voleibol. Essa rotina de 10:30 no campus  satisfazia a todas as expectativas da criança e do adolescente: estudar, alimentar-se, descansar, realizar as tarefas escolares extraclasse e praticar atividades esportivo-culturais. Educação completa!

 

Finalmente, cabe-nos destacar que, no campus do IM havia, integrando o aluno à natureza e com ele convivendo, pavões, gansos, patos, marrecos, galinhas d’Angola, cabras e outros animais, todos soltos no mesmo espaço escolar.”

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